Cento e vinte. Esse é o número aproximado de bolsas de sangue que Richard Kraemer Veber, 19, recebeu ao longo da vida. Diagnosticado com anemia falciforme no nascimento, o morador de Lajeado teve a primeira transfusão aos dois anos, e convive com a condição para a vida toda.
A anemia falciforme é uma alteração genética hereditária que afeta a hemoglobina, proteína que transporta oxigênio nos glóbulos vermelhos. Mãe de Richard, Ana Paula Kraemer conta que em momentos de crise, o filho sente fortes dores na região lombar, fica pálido e mais fraco. É assim que ela sabe quando precisa solicitar uma transfusão.
Com medicamentos diários, boa alimentação, hidratação e repouso, a condição pode ser controlada e Richard a alguns meses sem precisar de sangue. Mas quando adoece ou faz um esforço físico maior, a necessidade aumenta.
“Quando ele era mais novo, conseguia as transfusões na hora, mas com o ar do tempo, pelas várias vezes que ele transfundiu, o organismo começou a criar anticorpos para vários tipos de sangue, incluindo o dele, que é O positivo”, conta Ana.
Hoje, as amostras do menino são enviadas para Porto Alegre, para um exame de tipagem que permite encontrar sangues específicos para o corpo dele.
Demanda
Richard recebe o sangue do Centro Hemoterápico do Vale do Taquari (Hemovale), que atende 24 municípios da região, com maior demanda dentro do Hospital Bruno Born (HBB). O serviço, inclusive, pede doações com urgência, em especial, dos tipos “O negativo”, “O positivo” e “A negativo”.
“O sangue não tem substituto”, afirma a médica hematologista do centro, Gabrielle Lazzaretti. Ela destaca que cada bolsa coletada pode beneficiar até quatro pessoas, graças à separação dos hemocomponentes: hemácias, plaquetas, plasma e crioprecipitado.
Esses componentes são utilizados em diferentes situações, de cirurgias cardíacas e emergências, até doenças como anemia grave e hemofilia. Por isso, reforça a importância da doação.
Segundo Gabrielle, o maior consumo nos bancos de sangue é de hemácias e plaquetas. A médica ainda reforça a validade das doações, que são de cinco dias para as hemácias e 35 das para o sangue no geral.
“Por isso, não adianta todo mundo doar no mesmo dia. A gente orienta que as doações sejam distribuídas para manter o estoque”, diz a hematologista.
Reservas
Além das doações espontâneas e de repetição, há a doação por reposição, quando familiares e amigos são mobilizados após um paciente utilizar sangue. Há ainda a necessidade de reservas para cirurgias eletivas, especialmente cardíacas, que podem demandar grandes volumes de sangue e derivados.
“Essas reservas são solicitadas com antecedência pelos cirurgiões para garantir segurança ao paciente no centro cirúrgico. Assim, se houver perda sanguínea significativa, haverá material disponível para transfusão imediata”, esclarece Gabrielle.
Das cerca de 870 bolsas de sangue coletadas por mês no banco de sangue, 380 costumam ser para a reposição.

Fotos: Bibiana Faleiro
Triagem
De acordo com a farmacêutica do Hemovale, Fernanda Marca, a doação segue critérios rigorosos de triagem para garantir a segurança de quem doa e de quem recebe. Durante a entrevista clínica, são avaliadas condições de saúde, uso de medicamentos, histórico recente de cirurgias e até vacinas.
Nem todos os medicamentos são impeditivos, mas muitos exigem avaliação. Anti-inflamatórios, antidepressivos e remédios para pressão arterial devem ser analisados. A estação do ano também interfere nas doações.
“No frio, observamos uma queda sazonal no comparecimento dos doadores. Mesmo assim, precisamos manter uma média de 30 a 35 doações por dia para atender à demanda do HBB. São, em média, 930 bolsas transfundidas por mês, considerando hemácias, plaquetas, plasma e crioprecipitado, além do que é encaminhado a municípios vizinhos”, afirma.
Tipos de sangue
Os tipos de sangue são divididos em quatro grupos: A, B, AB e O. Para a doação, é necessário também conhecer o seu fator RH, um outro tipo de proteína que pode estar presente ou ausente no sangue de cada pessoa.
Segundo o Ministério da Saúde, pessoas com sangue RH positivo podem receber sangue de pessoas com qualquer RH, mas só podem doar para quem também é positivo. Já pessoas com sangue RH negativo podem doar para quem é positivo ou negativo, mas só pode receber de quem é negativo.
Em situações de emergência, utiliza-se o sangue tipo O negativo, conhecido como universal, já que pode ser transfundido em qualquer pessoa. No Brasil, os grupos sanguíneos mais comuns são o O e o A. Juntos, eles representam 87% dos tipos de sangue da população.
“É um privilégio”
Morador de Lajeado desde a década de 90, Adilson Johann fez sua primeira doação de sangue, em 1984, quando vivia em Porto Alegre e soube de uma campanha emergencial. “Aquilo me sensibilizou. Doei pela primeira vez e, depois disso, continuei doando”, lembra.
O aposentado mantém o hábito com frequência. “Faço entre três e quatro doações por ano”. E, dessa forma, também incentiva os dois filhos. “São pequenos movimentos que podem inspirar outras pessoas a fazerem o mesmo”, conta.
Outro doador assíduo é Vinicius Pretto da Silva, 38, que, neste ano, completa sua 80ª doação de sangue. Desde que fez 18 anos, o representante comercial mantém o hábito de doar a cada três meses. A inspiração veio de casa, a partir do exemplo do pai.
Além disso, com o sangue do tipo O negativo, conhecido como “doador universal”, Silva sabe da importância da tipagem para os bancos. “Se eu tenho saúde e posso ajudar, por que não manter essa rotina? É simples, rápido e salva vidas.”